sábado, 11 de junho de 2011

O velho, o rapaz e o burro

Fábula de, La Fontaine (1621-1695)
Traduzida por Curvo Semedo (Montemor o Novo 1766-1838)
Elaborada a 3 dimensões por José Manuel Água Morna, em Viana do Alentejo Maio de 2011.

O mundo ralha de tudo
Tenha ou não tenha razão
Quero contar uma história
Em prova desta asserção

Partia o velho campónio
Do seu monte ao povoado
Levava um neto que tinha
No seu burrinho montado

Encontra uns homens que dizem:
“Olha aquela que tal é!
Montado o rapaz, que é forte
E o velho trôpego a pé
ECC_01
O velho disse: “Rapaz,
Desce do burro, que eu monto
E vem caminhando atrás”

Monta-se, mas dizer ouve.
“ Que patetice tão rata!
O tamanhão, de burrinho,
E o pobre pequeno à pata!”
ECC_02
“ Eu me apeio” diz, prudente,
O velho de boa fé
“ Vá o burro sem carrego,
E vamos ambos a pé.”
ECC_03
Apeiam-se e outros lhe dizem:
“Toleirões, calcando lama!
De que lhe serve o burrinho?
Dormem com ele na cama?”

“Rapaz”, diz o bom velho,
“Se de irmos a pé murmuram,
Ambos no burro montemos,
A ver se inda nos censuram.”
ECC_04
Montam, mas ouvem de um lado:
“Apeiem-se, almas de breu,
Querem matar o burrinho?
Aposto que não é seu!”

“Vamos ao chão”, diz o velho,
“Já não sei que hei-de fazer!
O mundo está de tal sorte,
Que não se pode entender.

É mau se monto no burro,
Se o rapaz monta, mau é;
Se ambos montamos, é mau,
E é mau se vamos a pé!

De tudo me têm ralhado;
Agora que mais me resta?
Peguemos no burros ás costas,
Façamos inda mais esta!”

Pegam no burro; o bom velho
Pelas mãos o erguem do chão,
Pega-lhe o rapaz nas pernas,
E assim caminhando vão.
ECC_05
“Olhem dois loucos varridos!”
Ouvem com grande sussurro,
“Fazendo mundo às avessas,
Tornados burros do burro!”

O velho então pára e exclama:
“Do que observo me confundo!
Por mais que a gente se mate,
Nunca tapa a boca ao mundo.

Rapaz, vamos como dantes,
Sirvam-nos estas lições:
É mais que tolo quem dá
Ao mundo satisfações.
ECC_06

1 comentário:

Andrea Gil disse...

Parabens, João. Mais uma obra excelente! Beijinho de Lisboa